A Síndrome do Estresse Tibial Medial do Corredor

12 de setembro de 2018 | Por

A síndrome do estresse tibial medial (SETM) é definida como “um complexo sintomático visto em atletas que se queixam de dor induzida por exercício ao longo da região póstero-medial e distal da tíbia” (Mubarak, Gould, Lee, Schmidt, & Harges, 1982). A SETM é uma das causas mais comuns de dor na perna induzida pelo exercício durante a execução e uma causa comum de lesões relacionadas à corrida.

Em 1966, a American Medical Association definiu a SETM como “dor e desconforto na perna devido a corrida repetitiva em superfícies duras ou uso excessivo forçado dos flexores do pé”(Association, 1966).

Canelite ou ”Shin splint” é o nome mais popular, mas também é chamada de síndrome do estresse tibial medial, síndrome do estresse tibial, síndrome tibial posterior e síndrome do sóleo. Esses nomes derivam do local da dor que aparece na região póstero-medial da tíbia distal, causado por movimentos de exercício ou corrida.

A dor está presente ao longo do bordo póstero-medial da tíbia numa extensão de 5 cm e por pelo menos 2 semanas (Yates & White, 2004). A definição da SETM é clara, mas a sua etiologia ainda é incerta. A dor é geralmente localizada e apresenta caráter insidioso, piora com as atividades de impacto e manifesta-se inicialmente após o treinamento, evoluindo para a limitação progressiva da atividade física.

As causas da SETM ainda não são devidamente esclarecidas e os mecanismo de prevenção ainda são pouco claros, enquanto a incidência da SETM continua crescendo no meio esportivo.

Entre as lesões relacionadas à corrida, a SETM é uma das lesões mais comuns e as taxas de incidência são especialmente altas. A incidência da SETM entre corredores varia entre 4% a 35% em populações fisicamente ativas (Bennett et al., 2001; Clanton e Solcher, 1994). Por fim, Plisky et al. (2007) relataram que a SETM ocorreu 2,8 vezes por 1000 exposições esportivas.

A primeira etiologia da SETM foi publicada por Devas na década de 1950, e foi ele quem introduziu a teoria da tração fascial na tíbia. Devas afirmou que forças de tração poderiam ocorrer no periósteo da tíbia devido à forte ativação do músculo da panturrilha em pessoas com a SETM (Devas, 1958).

Após este estudo, inúmeras teorias para a causa da SETM foram propostas envolvendo os músculos da perna. A maioria da literatura apontava para os músculos flexores plantares, incluindo os músculos sóleo, tibial posterior e flexor longo dos dedos, envolvidos no desenvolvimento da SETM como fatores mecânicos (Beck & Osternig, 1994; Bouche & Johnson, 2007; Jones & James, 1987); Saxena et al., 1989).

Enquanto a teoria de Devas havia direcionado a tração ao periósteo por qualquer força exercida pelos músculos da panturrilha, Stickley et al. (2009), afirmou que apenas a atividade do músculo sóleo gerava forças de tração ao periósteo da tíbia através da sua aponeurose. Um estudo relatou que o carregamento repetitivo poderia criar danos microscópicos nos tecidos (Adams, 2004), além de gerar forças de tração significativa no periósteo do tíbia em indivíduos com SETM.

Outras teorias foram propostas, como: a resposta à pressão no ponto de interseção da tíbia do músculo flexor longo do hálux (Saxena, O’Brien, & Bunce, 1989), o estresse repetitivo no córtex tibial distal (Gaeta et al., 2006), a diminuição da densidade óssea (Magnusson, Ahlborg, Karlsson, Nyquist, & Karlsson, 2003), e também as cargas de flexão repetitivas por microtraumatismos na tíbia (Frost, 2001, 2004). Embora todas essas teorias, além da teoria da tração fascial tibial tenham sido descritas, não há evidências anatômicas suficientes para apoiar completamente todas elas.

O tratamento conservador se baseia na manutenção das atividades físicas para a o condicionamento cardiovascular, evitando-se a realização de movimentos com situações de impacto (saltos, corridas). As atividades de vida diária são mantidas sem limitações, inclusive a deambulação com carga é permitida desde o início do tratamento.

O uso de medicamentos antinflamatórias por período de até 7 dias e/ou analgésicas, assim como a crioterapia na fase aguda permitem aliviar a dor, condição esta que permite ao atleta iniciar precocemente o processo de reabilitação específico. Neste processo, o atleta inicia progressivamente o retorno às atividades de caminhada, trote e corrida até a normalização das condições de treinamento.

Baseado nas teorias de tração fascial da tíbia, a chave da prevenção da SETM é evitar o estresse repetitivo. Recomenda-se então o treinamento para evitar o estresse repetitivo que não envolve muitas contrações excêntricas dos flexores plantares. Simultaneamente, com a reeducação, deve-se evitar os padrões de aterrissagem do pé no solo com o predomínio do antepé. O padrão do antepé pode gerar forças de tração maiores do que o padrão de aterrissagem do retropé no contato inicial no periósteo tibial (Noh, Ishii, et al., 2015). Portanto, o padrão de aterrissagem da corrida que usa o antepé não é sugerido para corredores que tenham fatores de risco para a SETM. Além disso, o programa de treinamento para prevenção de SETM deve envolver corridas que aumentem a distância de forma lenta e gradual.

Diversos estudos recomendam que as modificações de calçados, como palmilhas para absorção de choques, podem reduzir o estresse repetitivo (M. H. Moen, Tol, Weir, Steunebrink e De Winter, 2009; Noh, Masunari et al., 2015). Vários fatores de risco para a SETM foram abordados em estudos pregressos, no entanto, para recomendar modificações no calçado, esta revisão focou na cinemática do osso navicular entre os fatores de risco (M. Moen et al., 2012). Um fator de risco para a SETM pode ser prevenido utilizando-se calçados com características de amortecimento e com suporte de arco, ou seja, com controle de movimento e estabilidade. Recomenda-se também substituição dos calçados no momento em que perderem suas características originais de amortecimento e estabilidade.

Programas de treinamento neuromuscular também devem ser planejados. Estudos pregressos relataram uma correlação entre a SETM e a força do tornozelo, ou seja, a força de inversão era relativamente mais fraca do que a força de eversão, assim como a resistência dos músculos flexores plantares era baixa na SETM (Madeley, Munteanu & Bonanno, 2007; Saeki et al., 2017 ).

Referências bibliográficas

Adams, M. A. (2004). Biomechanics of back pain. Acupuncture in medicine, 22(4), 178-188.

Association, A. M. (1966). Committee on the medical aspects of sports, Subcommittee on classification of sports injuries. Standard nomenclature of athletic injuries. Chicago: AMA, 126.

Beck, B. R., & Osternig, L. R. (1994). Medial tibial stress syndrome. The location of muscles in the leg in relation to symptoms. Journal of Bone & Joint Surgery, 76(7), 1057-1061.

Bennett, J. E., Reinking, M. F., Pluemer, B., Pentel, A., Seaton, M., & Killian, C. (2001). Factors contributing to the development of medial tibial stress syndrome in high school runners. Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy, 31(9), 504-510.

Bouche, R. T., & Johnson, C. H. (2007). Medial tibial stress syndrome (Tibial fasciitis) A proposed pathomechanical model involving fascial traction. Journal of the
American Podiatric Medical Association, 97(1), 31-36.

Burne, S., Khan, K., Boudville, P., Mallet, R., Newman, P., Steinman, L., & Thornton, E. (2004). Risk factors associated with exertional medial tibial pain: a 12 month prospective clinical study. British Journal of Sports Medicine, 38(4), 441-445.

Clanton, T., & Solcher, B. (1994). Chronic leg pain in the athlete. Clinics in Sports Medicine, 13(4), 743-759.

Clement, D. B. (1974). Tibial stress syndrome in athletes. The Journal of Sports Medicine, 2(2), 81-85.

Detmer, D. E. (1986). Chronic shin splints. Sports Medicine, 3(6), 436-446.

Devas, M. (1958). Stress fractures of the tibia in athletes or” shin soreness”. Bone & Joint Journal, 40(2), 227-239.

Frost, H. M. (2001). From Wolff ‘s law to the Utah paradigm: insights about bone physiology and its clinical applications. The Anatomical Record, 262(4), 398-419.

Frost, H. M. (2004). A 2003 update of bone physiology and Wolff’s Law for clinicians. The Angle Orthodontist, 74(1), 3-15.

Gaeta, M., Minutoli, F., Vinci, S., Salamone, I., D’Andrea, L., Bitto, L., Magaudda L., & Blandino, A. (2006). High-resolution CT grading of tibial stress reactions in distance runners. American Journal of Roentgenology, 187(3), 789-793.

Jones, D., & James, S. (1987). Overuse injuries of the lower extremity: shin splints, iliotibial band friction syndrome, and exertional compartment syndromes. Clinics in Sports Medicine, 6(2), 273-290.

Madeley, L. T., Munteanu, S. E., & Bonanno, D. R. (2007). Endurance of the ankle joint plantar flexor muscles in athletes with medial tibial stress syndrome: a case-control study. Journal of Science and Medicine in Sport, 10(6), 356-362.

Magnusson, H. I., Ahlborg, H. G., Karlsson, C., Nyquist, F., & Karlsson, M. K. (2003). Low regional tibial bone density in athletes with medial tibial stress syndrome normalizes after recovery from symptoms. The American Journal of Sports Medicine, 31(4), 596-600.

Moen, M., Bongers, T., Bakker, E., Zimmermann, W., Weir,A., Tol, J., & Backx, F. (2012). Risk factors and prognostic indicators for medial tibial stress syndrome. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, 22(1), 34-39.

Moen, M. H., Tol, J. L., Weir, A., Steunebrink, M., & De Winter, T. C. (2009). Medial tibial stress syndrome. Sports Medicine, 39(7), 523-546.

Mubarak, S. J., Gould, R. N., Lee, Y. F., Schmidt, D. A., & Hargens, A. R. (1982). The medial tibial stress syndrome: a cause of shin splints. The American Journal of Sports Medicine, 10(4), 201-205.

Noh, B., Ishii, T., Masunari, A., Harada, Y., & Miyakawa, S. (2015). Muscle activation of plantar flexors in re- sponse to different strike patterns during barefoot and shod running in medial tibial stress syndrome. The Journal of Physical Fitness and Sports Medicine, 4(1), 133-141.

Noh, B., Masunari, A., Akiyama, K., Fukano, M., Fukubayashi, T., & Miyakawa, S. (2015). Structural deformation of longitudinal arches during running in soccer players with medial tibial stress syndrome. European Journal of Sport Science, 15(2), 173-181.

Plisky, M. S., Rauh, M. J., Heiderscheit, B., Underwood, F. B., & Tank, R. T. (2007). Medial tibial stress syndrome in high school cross-country runners: incidence and risk factors. Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy, 37(2), 40-47.

Reshef, N., & Guelich, D. R. (2012). Medial tibial stress syn- drome. Clinics in Sports Medicine, 31(2), 273-290.

Saeki, J., Nakamura, M., Nakao, S., Fujita, K., Yanase, K., Morishita, K., & Ichihashi, N. (2017). Ankle and toe muscle strength characteristics in runners with a his- tory of medial tibial stress syndrome. Journal of Foot and Ankle Research, 10(1), 16.

Saxena, A., O’Brien, T., & Bunce, D. (1989). Anatomic dissection of the tibialis posterior muscle and its correlation to medial tibial stress syndrome. The Journal of Foot Surgery, 29(2), 105-108.

Stickley, C. D., Hetzler, R. K., Kimura, I. F., & Lozanoff, S. (2009). Crural fascia and muscle origins related to medial tibial stress syndrome symptom location. Medicine and Science in Sports and Exercise, 41(11), 1991-1996.

Yates, B., & White, S. (2004). The incidence and risk factors in the development of medial tibial stress syndrome among naval recruits. The American Journal of Sports Medicine, 32(3), 772-780.